Texto de Mariana Sgarioni
A criança terceirizada: as confissões das babás!
Nem preciso dizer que o maravilhoso – e indevassável – mundo das
pracinhas e parquinhos vira uma árdua rotina de quem se torna mãe ou
pai. Faz parte do pacote. O que ninguém conta é que qualquer observador
um pouco mais atento repara que este mundo mostra um retrato fiel de
como as futuras gerações estão se formando.
Confesso que no início me sentia meio acuada nesses locais – não que
agora esta situação tenha mudado, simplesmente me acostumei a ela. Era
como se houvesse um Exército dos Clones, aquele do filme Guerra nas
Estrelas, só que encarnado em dezenas de mulheres vestidas de branco,
todas vindo na minha direção. A maioria me olhava com olhos de
indignação, do tipo “o que você está fazendo aqui?”. Até que, certo dia,
uma delas veio falar comigo:
“Quem cuida dele?”, disse a babá, apontando para meu filho.
“Eu. Sou a mãe dele”, respondi, meio sem jeito.
“Ele parece bem cuidado, quem diria, hein… A senhora não tem ajuda? Não acredito que cuida dele sozinha…”
Fiz cara de quem não entendeu nada. A babá estava indignada, veja
você, como uma mãe poderia cuidar bem do filho. Ela começou a me contar,
então, o que já havia presenciado nas casas em que trabalhou – todas de
classe média alta, na zona sul do Rio de Janeiro. Histórias de arrepiar
os cabelos. Crianças totalmente abandonadas nas mãos das babás desde
recém-nascidas, quando já saem desmamadas da maternidade. Pais que nunca
deram um banho nos filhos, não dão remédio, nem comida. Descobri,
literalmente, um universo de crianças ricas, órfãs de pais vivos. E que
tinham atenção, afeto, e seus cuidados básicos garantidos por aquelas
mulheres, capazes de amar os filhos dos outros como se fossem os seus.
Muitas, aliás, deixam seus próprios filhos pequenos abandonados nas mãos
de terceiros para cuidar das crianças dos patrões. Perdem até seus
nomes: respondem apenas pela alcunha de “babá”. Verdade seja dita:
existem aquelas que não são tão caprichosas; algumas são rudes e tem
atitudes questionáveis com as crianças. Mas é assim que se comportam nas
suas casas. Foi assim que aprenderam a educar. E quem delega seu filho,
deveria saber disso.
Passei a entrevistar várias delas. Fiz das minhas idas às praças uma
espécie de trabalho investigativo. Abaixo, selecionei algumas frases que
ouvi (os nomes foram trocados para preservar a identidade das babás e das crianças).
Leia com calma antes de julgar esta ou aquela babá. E questione,
principalmente, de que maneira estão agindo os pais destas crianças.
Apontar o dedo para uma babá é fácil – difícil é descobrir onde está a
responsabilidade das pessoas que colocaram aquela criança neste mundo.
“Pedrinho, a babá aqui vai tirar uns dias de folga. Por favor,
querido, não dê trabalho aos seus pais. Vou rezar muito para eles não
brigarem nem baterem em você. Tchau, te amo.”, Maria, babá de Pedro, 2
anos.
“Caio não come há uma semana. É que a babá dele tirou férias e ele só come com ela.”, Carla, babá-folguista de Caio, 5 anos.
“Segunda-feira é sempre assim: pego a Erika toda assada, em carne
viva. Os pais dela não trocam muito a fralda no final de semana, sabe
como é, têm preguiça ou esquecem. E a bichinha fica assim, toda
machucada. Coitadinha”, Paula, babá de Erika, 1 ano.
“Pois é menina, já tive que levar o Eduardo para a emergência do
hospital por causa dessas assaduras, acredita? A mãe dele até hoje não
entendeu o que houve”, Josefa, babá de Eduardo, 1 ano.
“Preciso correr, pois hoje tenho reunião na escola da Paula e depois
tenho que levá-la ao pediatra. A mãe dela? Ah, ela é muito ocupada e não
tem tempo. Eu cuido dela muito direitinho, viu?”, Irani, babá de Paula,
de 3 anos.
“Neste fim de semana, levei o Antônio lá para minha casa, no morro.
Teve tiroteio, ficamos trancados no quarto. Já cansei de ter que levar
criança de patrão para a favela, mas não tem jeito, os pais mandam. A
mãe do Antônio disse para eu levar o menino, pois ela iria sair e não
tinha quem ficasse com ele.”, Fernanda, babá de Antônio, 4 anos.
“Ontem eu estava indo embora e, antes de pegar o trem, meu coração
apertou. Resolvi voltar e peguei Francisco sozinho, vendo televisão no
apartamento, acredita? A mãe dele foi comprar pão e deixou o menino lá. E
a janela nem tem grade!”, Marlene, babá de Fracisco, 5 anos.
“Não, Luana, querida, a babá não pode entrar na piscina com você,
muito menos usar roupas de banho. Aqui no condomínio, é proibido. Tenho
que ficar do lado de fora, só olhando.”, Cristina, babá de Luana, de 3
anos.
Para reflexão, deixo aqui um trecho do livro A Criança Terceirizada, do pediatra José Martins Filho:
“Em nossa sociedade já não se pode falar em patriarcado e
matriarcado. O que temos realmente, salvo exceções interessantes, é a
ausência de definições de papéis, de quem assume o que em relação à
família ou aos filhos. As pessoas vivem com medo de ser criticadas, de
assumir que tiveram a coragem de fazer uma opção pela família. O que se
propõe? A volta da mulher à condição de dona de casa e rainha do lar?
Claro que não, o que se propõe é a conscientização da paternidade e
maternidade. Crianças choram a noite, nem sempre dormem bem, precisam de
cuidados especiais, de limpeza, de banho, alimentação, ser educadas e
acompanhadas até idade adulta. Será que todos os seres humanos precisam
ser pais? Sejamos sinceros, nem todo mundo está disposto a arcar com
esse ônus. Talvez seja melhor adiar um projeto de maternidade, e mesmo
abrir mão dessa possibilidade, do que ter um filho ao qual não se pode
dar atenção, carinho e, principalmente, presença constante.”
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